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Terreiro não é matadouro

  • Foto do escritor: Luiz Henrique B. Carvalho
    Luiz Henrique B. Carvalho
  • 6 de ago. de 2018
  • 3 min de leitura


O toque do candomblé está acontecendo. Os tambores batem. As saias rodam. Os pés tocam o chão. A energia circula. No meio do salão, surge uma cabra. A reação de algumas pessoas é virar a cara e pensar em como aquela religião poderia ser tão cruel com um bichinho indefeso. Mas a verdade é que só quem vivencia o candomblé de verdade enxerga naquele animal não um bicho, mas um elemento sagrado, que merece respeito, cuidado e afeto.


Afinal, o povo de candomblé - e de outros cultos afrobrasileiros - ajoelha-se diante do animal que será sacrificado. Não só porque representa um símbolo religioso que será ofertado às energias ancestrais, mas também porque é o alimento, a força vital que sustenta a existência humana na Terra, e por isso algo a ser reverenciado em gratidão e respeito.


Tudo bem que, hoje em dia, há um grupo inexpressivo de pessoas questionando o hábito de ingerir carne, mas é inegável a evolução intelectual do Homo sapiens quando passou a se alimentar de caça. Estudos já revelaram que a dieta rica em proteínas dos nossos ancestrais foi decisiva para o desenvolvimento do cérebro humano, bem como de outros traços evolutivos, como achatamento da boca e expansão do crânio. Além disso, a busca por carne pautou o cotidiano de tribos indígenas ao redor do mundo e ao longo da história, porque somente um grande animal poderia saciar a fome de toda a tribo. Com isso, é interessante perceber a gratidão que sempre tiveram esses povos em relação aos seus deuses pelo sucesso das caças, na medida em que também ofereciam partes do animal às divindades, para que a comunhão fosse conjunta.


É claro que na modernidade, no contexto das cidades civilizadas, já não mais se caça, tampouco se agradece aos deuses pelo alimento. Contudo, ainda preservamos o sentimento de confraternização em relação à carne. É muito comum oferecer churrascos a pessoas queridas e familiares em ocasiões de celebração, como aniversários, casamentos, promoções no emprego, entre outras. Nesse sentido, o sacrifício religioso também emana esse sentimento de confraternizar com a ancestralidade as conquistas materiais e espirituais que alcançamos. Mas com uma importante diferença: no salão do terreiro, o animal passa a ser mais do que alimento, ele representa a ligação com o sagrado.


Da mesma forma, após os rituais sagrados, todos comungam em celebração. A carne do animal sacrificado alimentará não só os membros do terreiro, mas também pessoas carentes que por ventura batam à porta do templo dos orixás. Sempre haverá um guisado de galinha ou bode para dar de comer a quem não tem sequer uma migalha de pão, e essa pessoa receberá as bênçãos e as graças da ancestralidade para a qual foi oferecido aquele animal. Humanidade, respeito, empatia, caridade: todos esses valores agregados ao “cruel” sacrifício animal.


Um terreiro, portanto, está longe de ser um matadouro. Na verdade, constitui-se ali um ambiente sagrado, de respeito e veneração à ancestralidade. O animal não morre por morrer, porque há uma carga imensa de rituais e significados que circulam o antes, o depois e o próprio sacrifício. São cantigas, gestos, evocações e rezas que tanto agradecem aos ancestrais pela fartura de alimento, quanto pedem perdão à Natureza pela vida que se sacrifica pelo bem-estar material e espiritual dos que estão ali reunidos.


Aqueles que acusam injustamente os terreiros de cultos afrobrasileiros de maus-tratos a animais revelam sua hipocrisia ao omitirem críticas para o sistema de matadouros industrializados que ocupam as principais prateleiras dos supermercados país afora. Por que um ato religioso, resguardado em fundamentos ritualísticos e sagrados, ocupa o mesmo nível de crueldade de uma cadeia produtiva sanguinária, fria e mercantil que são os grandes abatedouros da indústria? “Frigorífico”, afinal, é só um nome mais bonito para “matadouro em larga escala”.


Por isso, no próximo 9 de agosto, as marcas da intolerância religiosa chegarão às cadeiras do Supremo Tribunal Federal, quando os ministros se debruçarem sobre a possível proibição do sacrifício religioso no país. A decisão do STF é de extrema importância, porque pode ser usada pelas instâncias inferiores - outros juízes ao redor do Brasil - como referência para julgar casos parecidos.


É preciso que o povo de santo resista. É preciso que os cultos afrobrasileiros não se submetam à intolerância religiosa. Orixá não é demônio e terreiro não é matadouro.

 
 
 

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