As urnas podem trazer novos Quebras
- Luiz Henrique B. Carvalho
- 22 de out. de 2018
- 2 min de leitura

Eram 6 da tarde e as ruas do centro já davam ares de fim de expediente em véspera do final de semana. Na subida para o Farol, a casinha azul do Sindicato dos Urbanitários se encheu de branco. Pouco a pouco, membros das religiões afrobrasileiras foram ocupando as cadeiras do auditório, trocando cumprimentos e bênçãos.
No palco, Mônica Carvalho terminava os últimos ajustes com seu equipamento de projeção. De jeans, blusa branca e algumas guias discretamente dispostas no busto, ela lamentava aqui e ali o futuro político do país.
Eram 7 horas e o número de cadeiras ocupadas pouco se alterou. Mônica chamou Clébio Araújo, que se juntando a ela no palco, deu início à reunião. A representação do povo de terreiro de Alagoas se dava por duas fileiras diluídas de turbantes e guias. Um auditório vazio para escutar o porvir político dos terreiros e macumbeiros do estado, que estaria cheio – inclusive com gente sentada no chão –, como se ouvia entre cochichos, se a reunião fosse para distribuir cestas básicas ou pedir carro pra subir a serra em novembro.

Clébio e Mônica, assim, logo após uma homenagem a Exu, teceram seus comentários sobre a realidade que se punha diante dos macumbeiros alagoanos: a vitória de Bolsonaro nas urnas representaria o fim da macumba como a conhecemos. Terreiros serão fechados, povo de santo perseguido, o xangô rezado baixo e os assentamentos enterrados nos pés das árvores, como se fazia antigamente. E o mais incrível: há pais e mães de santo que fazem campanha para a própria morte.
“São os nossos direitos que estão em jogo no próximo dia 28”, explicou Clébio. Em seguida, chamou atenção para as propostas da candidatura líder das pesquisas que buscam fechar alguns ministérios, dentre eles a pasta de direitos humanos. “Não haverá a quem recorrer”, diz o pesquisador, sobre os casos de intolerância e direitos cerceados que possam acontecer. Ao comentar sobre a perseguição evangélica contra o povo de terreiro – reforçada pelo apoio de Edir Macedo, dono da Record e da Universal –, Clébio esclarece que, diferente dos cristãos, que se desesperam para converter novas pessoas, o povo de santo é bem reservado. “O candomblé é para iniciados. Não estamos nas esquinas querendo converter ninguém”, completa.

Ao tomar a palavra, Mônica ressalta os míseros 50 anos de plena liberdade religiosa que tem o estado de Alagoas. Em seguida, aponta as ameaças em curso contra o Estado laico. Sendo maceioense, é impossível não mencionar o Quebra quando se fala de intolerância religiosa. “A gente ouve a história de Tia Marcelina, mas não tem como dimensionar o que ela sofreu. Ela e outros pais e mães de santo”, comenta Mônica ao se referir à possibilidade de haver novos Quebras. Por fim, a também pesquisadora lamenta a desunião do povo de santo de Alagoas, representada pela imensidão de cadeiras vazias no auditório. Mais ainda, Mônica reforça sua tese que tal desunião foi causada, entre outras coisas, pelo famigerado e trágico Quebra de 12. A partir dali os macumbeiros passaram a desconfiar uns dos outros, com medo de delatores à serviço das polícias.
A pauta da reunião se concentrou, em seguida, em avaliar lideranças e ações para a manifestação que ocorreria no dia seguinte.
Comments