Jurema Sagrada: resistência contra Bolsonaro
- Luiz Henrique B. Carvalho
- 25 de out. de 2018
- 3 min de leitura
A tradição ameríndia da Jurema Sagrada coleciona um histórico de agressões e violências que empurraram o culto dos Encantados para dentro das matas, onde os juremeiros tocavam baixinho as maracas e evocavam as entidades em sussurros. Com o tempo, a prática religiosa foi chegando nas cidades e ganhando espaço nos terreiros, conquistando pessoas que queriam se aproximar um pouco da sua ancestralidade. Mas essa realidade está para acabar: um possível governo de Bolsonaro enterra de vez as tradições religiosas de matriz africana no Brasil, dentre elas a Jurema, que une forças para fazer o que sempre fez com muita maestria: resistir.
Espalhada principalmente pelo nordeste brasileiro, a Jurema Sagrada é uma religião que trata das dores da alma dos seus adeptos, com elementos indígenas como ervas e fumaça.
Despertado para a espiritualidade aos 7 anos de idade, o juremeiro Alexandre L’omi acredita que a candidatura de Jair Bolsonaro representa ameaça a tudo que se construiu nos últimos 15 anos nos governos do Partido dos Trabalhadores. “Ele é inviável para representar um país, sobretudo um país que tem diversidade, vivência e o nosso povo”, declara o sacerdote. Ele enxerga a possível vitória do candidato como “violenta” e “abursurda”. Com terreiro situado em Olinda, Alexandre vive episódios de intolerância religiosa diariamente. Recentemente, um deles foi registrado em vídeo e disseminado nas redes sociais, quando foi agredido verbalmente dentro de um ônibus, por estar usando vestes tradicionais e acessórios sagrados. “Eu ando afirmando minha religião na rua com minhas contas e minhas vestimentas”, defende o juremeiro.

L’omi foi candidato à Assembleia Legislativa de Pernambuco, mas com apenas 1.513 votos, não conseguiu efetivar a eleição. O sacerdote de jurema acredita que o povo de terreiro é desunido nas urnas. “Não temos perspectiva de classe, não elegemos representantes. Há uma total inércia do povo de terreiro para eleger candidatos que os representem”, comenta Alexandre. O juremeiro ressalta o papel social dos terreiros, através dos quais as pessoas acham refúgio diante de uma sociedade desumanizada. “O terreiro é um local de acolhimento das mágoas da sociedade.
Também juremeiro, dedicado há mais de 30 anos dedicado à Jurema Sagrada, Pai Vamberto também enxerga em Bolsonaro uma ameaça. Segundo o sacerdote, o governo do candidato pelo PSL promoveria o fortalecimento da Igreja Universal, a que mais persegue tradições de matriz africana. “A nossa religião não terá mais caminhos, o Brasil não terá mais caminhos religiosos”, explica Vamberto. Ele conta como que, em três meses, uma pequena assembleia ganhou forças na vizinhança do seu terreiro e disseminou palavras de ódio contra o culto afro-brasileiro. Porém, como a Igreja funcionava num imóvel alugado, eventualmente fechou as portas. Vamberto reportou que chamavam a ele e suas entidades de “demônios”. O juremeiro aponta que, caso Bolsonaro vença as eleições, a perseguição feita contra tradições afro-brasileiras será muito mais acentuada. “Eles querem calar nossos tambores”, completa o sacerdote. “As religiões serão sufocadas e o medo vai dominar o país”. Com terreiro na Paraíba, Pai Vamberto acredita que muitas casas de axé serão fechadas com ordens do governo do candidato do PSL.

Na reigião metropolitana de Fortaleza, em Itaitinga, Pai Antony, além de ser o dirigente de um terreiro, também é carteiro. Nesses últimos dias, Antony diz ter percebido uma inclinação das pessoas para votar no Bolsonaro, mas enxerga isso de maneira extremamente negativa. O juremeiro, que já teve sua casa chamada de “chiqueiro” por intolerantes evangélicos, elucida que Bolsonaro pretende – e já o faz – deturpar o Estado laico brasileiro, evidenciado pelo flerte com líderes evangélicos. O sacerdote enxerga com bastante pessimismo a chegada de Bolsonaro no poder. “Nós vamos voltar aos tempos das senzalas, voltaremos para dentro das matas”, explica Pai Antony. Em defesa da Jurema Sagrada, o juremeiro afirma que a religião sempre foi seu escudo e lhe permite entrar em contato com a verdade. “Diante da ignorância, a sabedoria se cala. A Jurema é sábia, ela não engana ninguém”, completa Antony.

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